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Desbravador da minha vida. Autor da minha história. Sou reticências.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Poesia e Dobraduras

Ele já não escrevia tanto. Talvez por não ler tanto,quanto antes. Mas pensava! Pensava como um filósofo louco,enfurecido por uma razão.

Para aquele veterano poeta,a poesia sempre foi uma rotina,mas parecia que de um tempo pra cá a inspiração não mais lhe visitava.

-Porque?

Ele se preguntava.

Mexia nos cabelos,olhava o ambiente,batia a caneta no papel. Porque?

Levantava da cadeira. Andava pelo carpete e ziguezagueava... nada!

Procurou motivos no dia. Foi até a janela,olhou a rua. Observou horas,o vai e vem das pessoas, o ir e vir dos carros,o barulho do normal... e nada.

Resolveu ficar no escuro. Apagou a luz. Tentou extrair alguma frase do som daquele silêncio,mas nada lhe remetia a arte que sempre lhe acompanhou.

Talvez um copo de whisky!

-Ou dois.

Mas lembrou que algum tempo atrás a bebida lhe fizera muito mal.

Imaginou a traição de uma uma mulher. Mas que ele lembre,nunca fora traído. Nunca sentiu tais dores. Reforçou o poema que dizia: O poeta é um fingidor.

-Finge tão completamente. Que chega a fingir que é dor. A dor que deveras sente.

Pois então fingiu!Fingiu ser corno. Imaginou,atuou,chorou,inventou...e nada!

Num meio surto de raiva socou o sofá!

-Há!

Fiquei burro! Pensou. Não deveria ter dedicado só a arte de escrever. Deveria ter feito direito ou medicina ao invés de letras,arte,literatura... Pensou um pouco mais,se coagindo colocar as idéias no lugar e não fazer com que sua falta de inspiração lhe roubasse a sensatez de continuar lúcido sobre suas escolhas e certezas e se convenceu de que a poesia lhe veio em forma de dom, não algo que aprendera na faculdade e que os estudos só serviu para aperfeiçoar a aptidão que já lhe era de natureza.




Lembrou que perdera um ente querido alguns meses atrás. Quem sabe a lembrança da dor da perda de alguem muito amado não lhe traria um certo poema melancólico,fúnebre,mas ainda sim era um poema. Pegou o telefone. Ligou para um parente próximo. Mas só fez consolar o familiar que ligara.

-Não chore,por favor,não chore!

Sentou na cadeira. Pensou. Pensou e pensou.

Pensou no mar,nas estrelas,nos namorados apaixonados,nas agruras pessoais e alheias, que sempre lhe dera criação. Percebeu que só pensar não adiantava. Escrevia uma palavra, e amassava a folha. Uma frase ou outra e amassava a folha. Surgia alguma idéia torta e lá ia mais uma folha.

O tempo passava e o escritor se deparava ilhado por papéis brancos amassados.

_ Vou escrever sobre um poeta sem inspiração!

Achou ridículo aquela idéia torpe, e bateu a testa no braço que estava apoiado na mesa.

Pareceu adormecer...alguns segundos...

_Música!

Nada mais inspirador do que música!Colocou pra tocar a sua preferida. De repente pareceu ser tomado pelas notas musicais,que invadia aquele escritório vazio de palavras.

Viajava,dançava,imaginava pessoas felizes,cenas bonitas,boas ações.

Dançando pegou a caneta, o papel, e escrevia algo. Dançava e escrevia,deitava no sofá e escrevia...Escrevia,escrevia,escrevia...

Era mágica que saía pela tinta,as rimas brotavam da ponta da caneta,o versos formavam-se sozinhos. Estrofes,virgulas,entusiasmo lírico,épico,travessões,ponto de exclamação,abre aspas,fecha aspas,ponto final.




Olhou aquele papel embebido de esforço artístico,com a sensação imaginária de ter terminado de pintar a Monalisa.

È! Foi assim que Da Vinci se sentiu!Grande! Importante! Era a maior das artes,aquele único papel inteiro em meio a um escritório tomado por papéis em forma de bolinhas.

E leu com entusiasmo,como se tivesse começado a ler suas primeiras palavras.

E lia,lia,lia com grande paixão,arrebatamento,alegria ruidosa.

Mas de repente, algo em seu semblante identificava um certo declínio de sensação.

Não era lá um dos melhores poemas que escrevera. Estava bom,mas queria mais! Muito mais!

Era inteligente o suficiente pra alcançar o supra sumo da arte que mais lhe dera felicidade na vida.

Deitou-se no chão entre os amassados de papel. Apático e pensativo. Inerte e entorpecido.

Sentiu-se vazio,pequeno,de pouco valor.

Pegou o papel e dobrou. Ao invés de amassa-lo dobrou. E dobrou mais uma vez,e mais uma,inconscientemente dobrava. Inesperadamente ele se depara com um pássaro em suas mãos.

Liberdade? Pensou ele.

Um pássaro branco com letras escritas.

Lembrou que aprendera origami na aula de arte. E viu que não precisava de esforço algum para criar vários e diferentes. O improviso irreflectivo tomou lhe todo o tempo que lhe restara ocupar.

Abriu todas as folhas amassadas e iniciou ali mesmo, no chão, sua fábrica de arte japonesa de dobrar o papel.

-Vou deixar de ser poeta.

Falou tão baixo que nem ele queria ouvir tal frase.

Falou talvez de forma irônica. Mas deixou de pensar no papel escrito e se dedicou ao papel dobrado.


joe

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